*A Máfia do Transplante de Medula Óssea e o segredo por trás das mortes de crianças brasileiras portadoras de leucemia...
Hematologista mineiro, novo professor da Universidade de Oxford, fez o autotransplante do ator Gianecchini e vai coordenar o de Maria Vitória, que receberá as células da irmã, selecionada geneticamente
Texto: Silvânia Arriel | Fotos: Nélio Rodrigues
08/03/2012 Edição Nº: 77
![]() |
Doutor Vanderson Rocha, coordenador do Eurocord e Serviço de Transplante de Medula Óssea do Hospital Sírio-Libanês. |
Quem precisar de transplante de medula óssea ou cordão umbilical no Brasil vai encontrar doador. Só não há onde ficar internado. “O problema maior é o número de leitos”, afirma o hematologista mineiro Vanderson Rocha, médico que fez o autotransplante no ator Reynaldo Gianecchini, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e vai coordenar o da menina Maria Vitória Reginato Cunha, de 5 anos. Ela receberá as células do cordão umbilical da irmã Maria Clara, primeira criança brasileira a passar por seleção genética em laboratório para não carregar a doença da irmã, talassemia, e ser compatível. “As chances são de 90% de cura.”
Este mineiro, formado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vive na dianteira das pesquisas. Desenvolveu técnica de transplante duplo de cordão, tem 20 artigos publicados, coordena há 15 anos a rede Eurocord, banco de sangue de cordão umbilical e registro europeu, na França. Agora, foi convidado para ser professor na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Vai ser chefe do setor de transplantes, continuar o trabalho no banco europeu e no Sírio-Libanês, onde ficará uma semana a cada dois meses e o restante em teleconferência. Encurtará a distância entre três países. “Assim é que é bom”, diz Vanderson Rocha, que saiu de Belo Horizonte em 1994 e nem pensa em voltar a trabalhar em Minas. Culpa da falta de condições. “São ruins e olha que sou mineiro bairrista.”
RVB - O senhor vai fazer o transplante da Maria Vitória, de 5 anos, que teve irmã gerada por seleção genética para curá-la de doença congênita. Há outras crianças na mesma situação. Esta é uma das soluções nestes casos?
VR - O transplante de medula em si é indicação para cura de algumas doenças genéticas ou hematológicas. No caso da Maria Vitória, que tem talassemia, doença da hemoglobina, a cura é através do transplante. É claro que existe tratamento, que são as transfusões para o resto da vida, tomar remédio para evitar a deposição de ferro, mas a cura mesmo é por meio de transplante. O interessante neste caso é que a doadora foi concebida sem a doença para ser compatível, porque muitas vezes a família fica receosa em ter outro filho achando que ele pode ser acometido pela doença. Isto tem grande chance. Essa solução de selecionar o embrião, sem a doença, para que seja doador é um grande avanço.
RVB - Quais são as chances de cura?
VR - Depende do tipo da doença, mas geralmente um transplante para este tipo, como no caso da Maria Vitória, é em torno de 90% de cura.
RVB - Quando será feito o transplante da Maria Vitória?
VR - Mais ou menos daqui a três meses. Vai depender dos exames para saber a época ideal.
RVB - A seleção genética para ser doador já ocorre com frequência no mundo?
VR - Acontecem alguns casos. Na França, por exemplo, como é serviço público, a fila para o casal fazer a fertilização, ser selecionado o embrião e implantá-lo demora em torno de dois anos. Muitos casais vão para a Bélgica porque lá podem pagar. Depende muito do país, da idade da mãe, porque isto não é sucesso em 100% dos casos. Só em torno de 20% a 30% você consegue selecionar o embrião, que tem número número de óvulos suficientes, que foi bem fertilizado, que consegue separar do que está doente, para implantar no útero.
RVB - O que há de novo em pesquisas com uso de células do cordão umbilical?
VR - Há várias linhas de estudos. Sou coordenador europeu de projeto de pesquisa com sangue de cordão, o Eurocord, há 15 anos. Fui para a França, fiz residência em transplante e me convidaram para coordenar este grupo desde 1995. Houve grandes avanços. Na realidade, o primeiro transplante com sangue do cordão umbilical foi feito numa criança que tinha anemia de Fanconi, em 1988. A irmãzinha dele nasceu. Naquela época não foi selecionado o embrião, mas deu a sorte de não ter a doença e ser compatível com o paciente. Até hoje ele está superbem, vivo e curado. Desde então, estes casos de famílias que têm doenças genéticas ou mesmo de leucemia que possuem doadores, a gente congela o sangue do cordão umbilical. A partir de 1994 houve essa ideia de começar a congelar o sangue do cordão para outras doenças e ser utilizado em doadores não aparentados, que não têm nada a ver com a família. Aí, viram que é possível transplantar o cordão, mesmo incompatível, que cure a doença, principalmente as leucemias. Começaram a se criar bancos de sangue de cordão umbilical. Atualmente há 150 bancos para uso não aparentado e em torno de 500 mil unidades de sangue de cordão no mundo todo, inclusive no Brasil. Especificamente no caso da Maria Vitória é o que a gente chama de banco dirigido, que é feito para a família. Você imagina, por exemplo, alguém que tem uma criança com leucemia, a mãe está grávida, a gente colhe o sangue do cordão e congela para caso seja compatível e precise fazer o transplante. Neste caso específico foi selecionado para ser doador do sangue de cordão para a Maria Vitória. É o primeiro no Brasil.
RVB - A técnica de utilizar dois doadores, como a do garoto João Antônio Picolo, de 2 anos, é comum?
VR - Este caso é especial. É uma criança que veio para ser transplantada com leucemia rara, chama LMMJ, leucemia mielomonocítica juvenil (câncer do sangue). Ele foi transplantado com cordão umbilical e não pegou. Não tinha mais opção e aí eu colhi as células da medula da mãe (Vivian Picolo) e transplantei. É uma técnica nova. Depois de ter infundido as células da mãe, que eram completamente incompatíveis, dei quimioterapia para matar os linfócitos ativos que iam atacar a criança.
RVB - Pode acontecer com outros pacientes?
VR - Pode. A gente pode usar dois cordões diferentes para uma pessoa só, o chamado duplo cordão. Geralmente isto ocorre com adultos, porque calcula o número de células por quilo. Então, o sangue de um cordão só, às vezes, não tem número de células suficientes.
RVB - Com essa técnica aumentam as chances de achar doadores?
VR - Atualmente, para todo paciente que tem indicação de transplante de medula óssea, há um doador. A gente sempre encontra, seja de cordão umbilical, transplante não aparentado, de registro, afroindêntico (O termo correto é haploidêntico - correção Genoma Brasil). Não há mais problema.
RVB - Tem a ver com as características genéticas?
VR - Para você encontrar um doador compatível, depende de um sistema, o HLA (antígenos leucocitários humanos). Este sistema varia com a etnicidade da população. Então, por exemplo, atualmente tenho uma paciente que é mistura de judeu com índio. É claro que, quando coloca os dados dela no banco mundial, que possui 19 milhões de doadores sendo 500 mil unidades de sangue do cordão e 18,5 milhões voluntários, a gente não encontra ninguém. São pessoas que são voluntárias para doar células da medula óssea. Elas podem ser colhidas tanto em nível periférico quanto da medula. Mas no caso desta menina, mistura de índio com judeu, pode-se usar o cordão. Além dele, tem a mãe que pode doar. No final, acaba sempre tendo uma possibilidade de fazer o transplante.
RVB - O Brasil é interligado à rede mundial de bancos de cordão?
VR - É interligado. No país há atualmente em torno de 2 milhões de doadores, destes 19 milhões no mundo, e em torno de 15 mil unidades de sangue de cordão umbilical.
RVB - O Brasil tem hoje 12 bancos?
VR - Na realidade, o Brasil tem alguns bancos ativos. Doze são planejados. Atualmente, cinco são ativos, dos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, na cidade de São Paulo, de Campinas e o do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro. Mesmo estando em hospitais privados, eles são bancos públicos. É a filantropia junto com o Ministério da Saúde. Dos planejados, há o de Minas Gerais.
RVB - Há a previsão de que será inaugurado um em Belo Horizonte neste ano.
VR - Pois é, eles falam isto há muitos anos. Não sei em quanto tempo vai sair.
RVB - O que é preciso para melhorar? O país está muito aquém do restante?
VR - Não. O problema maior não é nem o número de bancos, de unidades, mas o de leitos para transplantar os pacientes. Tanto é que, atualmente, eu fiquei sabendo, por falta de verba, o recrutamento de doadores foi encerrado. O Brasil é o terceiro maior registro de doadores do mundo, depois dos Estados Unidos e Alemanha. Está ótimo em termos de recrutamento.
RVB - A falta de doadores não seria mais problemática do que a de leitos?
VR - Seria, mas não é. Como atualmente todo paciente com indicação de transplante consegue doador, aumenta a procura por leitos. Há os complicados, principalmente o de sangue do cordão e o afroidêntico (haploidêntico - correção Genoma Brasil), que devem ser feitos somente em centros bem estruturados. Interna, faz quimioterapia em alta dose. Fica, no mínimo, em torno de cinco semanas internado em uma bolha, em unidade de transplante.
RVB - O senhor fez o autotransplante no ator Reynaldo Gianecchini, diagnosticado com câncer no sistema linfático. Como ele está?
VR - Ele está superbem, mas é claro que ainda precisa ter acompanhamento nos próximos anos. (No dia marcado, 24 de fevereiro, para fazer a foto do médico, ele chegou a sua casa em Belo Horizonte no carro do ator,
que veio passar o final de semana
na cidade).
RVB - Como é seu trabalho no Eucoord?
VR - Continuo direcionando os trabalhos de pesquisa. Eu tenho equipe lá e estou sempre em conferência. Agora vou para a Inglaterra, ser professor na Universidade de Oxford, ser chefe do setor de transplantes. Vou ficar entre Oxford, Paris e São Paulo. A cada dois meses, vou ficar uma semana no Sírio-Libanês e continuo orientando uma vez por semana por teleconferência. Com internet é mais fácil. É trabalho direto, mas assim que é bom.
RVB - Chegou a trabalhar em Minas?
VR - Fiz minha residência em Belo Horizonte, no Alberto Cavalcanti e no Hospital das Clínicas. Trabalhei no Hemominas e dois anos de clínica no HC. Depois fui, em 1994, para a Europa fazer especialidade em transplante de medula. Fiz mestrado, doutorado e fui ficando.
RVB - Está nos seus planos voltar para Belo Horizonte?
VR - Só para ver a família.
RVB - Como são as condições para exercer a profissão no estado?
VR - São muito ruins. Olha que sou mineiro bairrista. Em termos de medicina, eu acho que São Paulo, pelo menos no Hospital Sírio-Libanês, é impressionante. Eu posso fazer tudo o que faço fora do país.
RVB - Vamos voltar às pesquisas. O senhor disse que há várias linhas?
VR - Em termos de sangue de cordão umbilical tem sim. Há muitos grupos tentando expandir o cordão in vitro, no laboratório. Põe as células do cordão para expandir e depois injeta nos pacientes. Tem duplo cordão, transplante em paciente idoso. Antigamente, a gente fazia transplante de medula óssea só até os 50 anos. Hoje tenho paciente com 72 anos. Estão superbem as pesquisas. Está mudando muito o campo, expandindo. Eu coordenei o Grupo Europeu de Sangue e Medula Óssea, durante seis anos, só de transplante em leucemias agudas, quando fui eleito pelos centros transplantadores de lá.
RVB - O senhor é contra bancos privados de sangue do cordão umbilical para uso da própria criança?
VR - Sou. Isto não ajuda em nada, só gasta dinheiro da família. É vendida a ideia de garantia de saúde. Mas a possibilidade de que ocorra o uso das células em caso de doenças hematológicas, principalmente as leucemias ou os linfomas, que venham a ser diagnosticadas no futuro, é mínima.
Fonte: Revista Viver Brasil
http://www.revistaviverbrasil.com.br/95/materias/02/entrevista/entrevista-vanderson-rocha/
Acesso: 07/03/2014 - 16:26 PM
Nenhum comentário:
Postar um comentário